Primeiro capítulo de Livro: Interligados – Aden Stone contra o Reinos das Bruxas
Mary Ann Gray estudava cuidadosamente seu reflexo no grande espelho de corpo inteiro que havia em seu quarto. Maquiagem: leve e perfeita. Cabelos: escuros e sem um nó sequer. Uniformes, ela ousaria pensar? Sedosos. Roupas: uma impecável camiseta com detalhes em renda e calças jeans skinny. Sapatos: botas para caminhada. Ela havia trocado o cadarço branco e fino por um mais grosso e cor-de-rosa, o que dava um toque de feminilidade. Certo. Ótimo. Mary Ann estava oficialmente pronta.
Respirando fundo e um pouco trêmula, a garota juntou os livros, colocou-os na mochila, jogou-a sobre o ombro e caminhou até o andar inferior, em direção à cozinha. Seu pai a esperava com o café da manhã preparado.
O estômago de Mary Ann se revirou em protesto. Ela teria que fingir comer porque duvidava que conseguisse engolir uma única garfada que fosse. A garota simplesmente estava uma pilha de nervos.
Da sala de estar ela ouviu o barulho das panelas batendo umas contra as outras, da água estalando contra a pia e o suspiro de homem... Derrotado?
Pouco antes de dobrar o último canto do corredor, Mary Ann parou e apoiou o ombro contra a parede, perdendo-se em pensamentos. Algumas semanas atrás, ela e o pai haviam entrado em território desconhecido – um território horrível e incerto. Seremos sempre sinceros um com o outro, ele costuma dizer a ela. O-tempo-todo. Obviamente, ao mesmo tempo, ele alimentava as mentiras sobre a mãe biológica da garota. A mulher que a criara não lhe dera a luz, mas era, sim, sua tia.
Na verdade, sua mãe biológica tinha a habilidade de viajar no tempo, de se transformar em versões mais jovens dela mesma e, ainda assim, seu pai se recusava a acreditar nela, considerava-a instável. A mulher tampouco podia provar o contrário, pois estava morta e seu espírito havia seguido seu caminho. Ela havia deixado Mary Ann para sempre.
Deus, a perda ainda doía.
A garota teve a oportunidade de passar um dia com ela. Um dia maravilhoso, perfeito, porque Eve, sua mãe, era uma das almas presas dentro da cabeça de Aden, amigo de Mary Ann. Mas logo depois, boom. Eve se fora.
Lágrimas queimaram seus olhos enquanto ela se lembrava da despedida, mas Mary Ann as conteve. Ela não poderia se permitir chorar. Seu rímel borraria e ela acabaria parecendo uma vítima de abuso doméstico quando Riley passasse para pegá-la. Riley.
Meu namorado. Sim. Mary Ann pensaria em Riley e se concentraria no futuro em vez de se prender ao passado. Seus lábios até se curvaram levemente, esboçando um sorriso, enquanto seu coração acelerava descontroladamente. Ela não o vira desde que foram juntos ao Baile dos Vampiros, quando o rei do povo de Riley havia sido morto e Aden nomeado o novo soberano dos vampiros. Não que Aden quisesse ter esse título – ou as responsabilidades que isso certamente acarretava.
Claro, aquilo tudo havia acontecido no sábado anterior. Porém, um intervalo de dois dias parecia a eternidade quando o assunto era Riley. Ela estava acostumada a vê-lo todos os dias no colégio, além de todas as noites, quando ele entrava escondido em seu quarto.
E, sinceramente, Mary Ann nunca havia gostado de ninguém como gostava dele.
Talvez porque não houvesse ninguém como Riley. Ele era intenso e inteligente, doce (com ela) e protetor. E sexy. Todos aqueles músculos... Fortes depois de tantos anos correndo como um lobisomem mutante e lutando como o guardião de uma vampira. Esses dois fatos eram o que forjava as muitas facetas da personalidade de Riley.
Enquanto guardião, ele era frio e distante (com todos, exceto com ela). Precisava ser. Essa era a única forma de realizar um trabalho tão violento. Porém, como lobisomem, ele era suave, caloroso e aconchegante. Mal posso esperar para abraçá-lo outra vez, ela pensou, abrindo o sorriso.
– Você vai ficar de pé aí o dia todo? – gritou seu pai.
A garota voltou a mundo real; seu sorriso desapareceu. Como ele sabia que ela estava ali?
Acabe com o massacre emocional matutino. Levantando a cabeça, ela marchou pelo restante do caminho até a cozinha e sentou-se à mesa, deixando a mochila cair em seus pés.
Seu pai colocou um prato com panquecas diante dela. Os aromas de blueberry e de melaço revestiam o ar. Os favoritos de Mary Ann. Seu estômago tinha melhorado consideravelmente enquanto ela pensava em Riley, mas, mesmo assim, a garota não acreditava que conseguiria comer. Ou melhor, não queria arriscar as possíveis consequências – por exemplo, vomitar na frente de seu novo namorado.
O pai de Mary Ann relaxou o corpo na cadeira do outro lado da mesa. Seus cabelos loiros estavam arrepiados, como se ele os tivesse puxado algumas centenas de vezes. Seus olhos cerúleos estavam opacos e circulados por grandes olheiras. Linhas de tensão brotavam de sua boca, dando-lhe um aspecto de alguém que não dormia há semanas.
Talvez fosse verdade.
Apesar de tudo, Mary Ann detestava vê-lo assim. Ele a amava, ela sabia disso.
Porém, esse era o motivo pelo qual a traição havia se transformado em um evento tão doloroso. E por “doloroso” ela entendia “enfiar a cabeça em um moedor de carne e usar o produto como isca de pescaria”.
– Pai – disse a garota no exato momento em que ele disse: – Mary Ann.
Eles se encararam por um momento, e então sorriram. Aquele era o primeiro momento afetuoso que eles compartilhavam há semanas. E aquilo era... Bom.
– Você primeiro – disse a garota. Ele era médico, um psicólogo clínico, e, portanto, extremamente ardiloso. Com apenas algumas palavras, ele era capaz de fazê-la expressar seus sentimentos sem que ela sequer percebesse que havia aberto a maldita boca. No entanto, hoje ela arriscaria deixar seus sentimentos escapar porque não fazia ideia de como dar início à conversa.
Ele puxou algumas panquecas para seu prato.
– Eu só queria dizer que sinto muito. Por cada mentira. Por tudo. E eu fiz isso para proteger você, Mary Ann. Um bom começo. Ela seguiu o exemplo e encheu seu prato. Depois, continuou mexendo na comida, fingindo comer.
– Me proteger de...?
– Do estigma de pensar que sua mãe era uma desequilibrada. Do pensamento de que você teria, de alguma forma... De que você teria...
– Matado minha mãe?
As palavras rasparam na garganta repentinamente apertada de Mary Ann.
– Sim – ele sussurrou. – Você não fez isso, você sabe. Não foi culpa sua.
Sua verdadeira mãe, Anne (que Aden conhecia como Eve) morrera durante o parto.
Esse tipo de coisa acontece às vezes, não é mesmo? Não havia motivos para o pai culpá-la.
Mas ele também não sabia de toda a verdade. Ele não sabia que Mary Ann neutralizava habilidades paranormais.
Ela mesma havia descoberto isso há pouco tempo e tudo o que sabia a respeito era que sua mera presença evitava que as pessoas (e as criaturas) empregassem seus “dons”.
Se não fosse por Aden, Mary Ann jamais teria descoberto nem mesmo isso. Esse seu amigo era o maior polo de atividade paranormal de todos os tempos. (E tomara mesmo que fosse. Porque qualquer pessoa mais forte... Calafrios).
Durante a gravidez, a mãe da garota enfraquecia mais e mais. A pequena Mary Ann literalmente sugava a vida de sua mãe. E então, assim que ela nasceu, Anne/Eve simplesmente se foi.
Direto para Aden, pensou Mary Ann, suspirando. Aden, que nascera no mesmo dia, no mesmo hospital. Aden, que também havia atraído três outras almas humanas (ou fantasmas) para dentro de sua cabeça.
Porém, Anne/Eve não se lembrou de Mary Ann logo no primeiro momento – suas memórias se perderam quando ela entrou na cabeça do garoto. Quando eles entenderam o que havia acontecido, sua mãe teve acesso a tudo o que mais queria na vida, àquilo que lhe tinha sido negado quando ela morreu: um único dia com Mary Ann.
E quando o desejo foi realizado, Anne/Eve desapareceu. E nunca mais foi vista. E nunca mais disse nada. Estômago... Revirando... Outra vez...
Seu pai não sabia de nada disso, e Mary Ann tampouco estava disposta a lhe contar.
De qualquer forma, ele não acreditaria... Acharia que ela era “desequilibrada” como a mãe.
– Mary Ann – sussurrou o pai da garota. – Por favor, diga como você está se sentindo. Diga o que pensou quando eu...
O som da campainha salvou o pai do tormento de terminar aquela frase e a filha da angústia de ter de criar uma resposta. Com o coração palpitando intensamente, a garota pulou. Riley. Ele estava aqui.
– Eu atendo – disse ela, apressando-se.
– Mary Ann...
Mas ela já atravessava a cozinha, correndo em direção à porta da frente. No momento em que a espessa chapa de cerejeira se abriu, a garota pôde ver Riley do outro lado tela. Seu estômago se acalmou completamente.
Ele abriu aquele sorriso de bad boy, meio malvado, meio realmente malvado.
– Oi.
– Oi.
Sim. Sexy. Ele tinha os cabelos negros e os olhos verde-claro. Era alto, com o corpo de um jogador de futebol dedicado que também se interessa por levantar pesos. Seus ombros eram largos; a barriga, trincada. Infelizmente, ela não podia ver aquele tanquinho de dar água na boca por debaixo da camiseta. A calça jeans estava um pouco larga em volta daquelas pernas fortes, e os sapatos empastados de terra.
Espere aí. Ela havia feito um exame corporal completo? Sim. Com as bochechas esquentando, ela voltou o olhar para o rosto de Riley, que claramente segurava o riso.
– Aprovado? –perguntou ele.
O calor se intensificava.
– Sim, mas eu ainda não tinha terminado – respondeu Mary Ann. Ele não tinha o tipo de beleza de um modelo masculino, mas era vigorosamente interessante, com um nariz ligeiramente torto (talvez por ter sido quebrado tantas vezes) e um maxilar quadrado. E ela havia beijado aqueles lábios maravilhosos apenas uma vez.
Quando nos beijaremos outra vez?
Mary Ann estava pronta. Mais do que pronta. Aquele beijo tinha sido o ápice da diversão que sua língua já experimentara.
Ele abriu a boca para dizer algo e então a fechou rapidamente. Passos ecoaram atrás da garota, e ela então se virou. Seu pai se aproximava balançando a mochila em seu braço.
Ela se aproximou, pegou a mochila e se apoiou na ponta dos pés, beijando a bochecha do pai antes de se despedir.
– A gente se vê mais tarde, pai. Obrigada pelo café da manhã.
A tensão no rosto do homem diminuiu ligeiramente.
– Até mais tarde, querida. Espero que você tenha um ótimo dia.
– Você também, pai.
Ele encarou o garoto ainda parado na entrada.
– Riley – cumprimentou severamente o pai de Mary Ann.
Eles haviam se conhecido apenas brevemente. O pai da garota não sabia, mas Riley era mais velho do que ele. Algo do tipo... Cem anos mais velho. Sendo um mutante, Riley envelhecia lentamente. Muito, muito lentamente.
– Dr. Gray – respondeu Riley, respeitoso como sempre.
– Mary Ann – disse o pai da garota, voltando-se para ela. – Talvez seja melhor você levar uma jaqueta.
Era 1º de novembro e cada dia era mais frio do que o anterior. No entanto...
– Eu vou ficar bem.
Riley a manteria aquecida.
– Prometo.
Simpatias terminadas, Mary Ann voltou até a porta, abriu a tela com o ombro e segurou a mão quente e calejada de Riley. A garota estremeceu. Ela adorava tocá-lo. Como humano e como lobo.
Enquanto andavam, ele tomou a mochila com a mão livre.
– Obrigada.
– De nada.
A manhã estava agitada, embora o sol se escondesse atrás das nuvens e o céu estivesse cinza escuro. Os melros cantavam ininterruptamente (eles ficavam em Crossroads durante todo o ano) e o ar estava fresco e revigorante. Ainda de mãos dadas, eles passaram pelas casas vizinhas à de Mary Ann.
Cada uma delas tinha forma de uma estação de trem antiga, com pilares, deques, madeira colorida e telhados inclinados sobre dois andares. Ao passarem pela última das casas, aproximaram-se de uma muralha de tijolos que se estendia por quase um quilômetro, fazendo divisa com a densa[M1] floresta que se erguia logo atrás. As árvores enormes
ostentavam agora folhas amarelas e vermelhas.
O pai de Mary Ann supôs que ela e Riley tomariam o caminho mais longo até a escola, seguindo pelas ruas seguras e pavimentadas, evitando cortar o caminho pela floresta. Mas ele estava errado. Tem horas que uma garota precisa ficar sozinha com seu namorado, longe de olhos espreitando. Ou de ouvidos. A caminhada até Crossroads High era um desses momentos.
– Não acredito que tanto tempo se passou desde a última vez em que nos vimos – disse Mary Ann.
– Eu sei. Sinto muito. Para mim também pareceu uma eternidade. Eu queria ver você, acredite, mas muitos vampiros têm aparecido em casa para os preparativos do funeral de Vlad.
– Sinto muito – disse a garota suavemente enquanto apertava a mão de Riley. – Pela morte. Sei que você o respeitava.
– Obrigado. Precisamos esperar quatorze dias antes de realizarmos o funeral... Não, agora são mais treze dias, eu acho. Depois disso, Aden será oficialmente coroado rei.
– Por que esperar quatorze dias? – Mary Ann não queria nem imaginar o aspecto do cadáver depois de duas semanas.
Riley encolheu os ombros.
– Ele era um rei. As pessoas querem estar realmente certas de que ele morreu.
– Espere aí. Pode ser que ele esteja vivo?
– Não.
– Mas você acabou de dizer que...
– ...que as pessoas querem estar certas de que ele morreu, eu sei, mas elas ainda estão impressionadas, esperançosas. Nada desse tipo aconteceu antes àquele povo.
Mary Ann conseguia entender. Ela ficou bastante confusa depois que suas duas mães morreram.
– Pelo menos Aden ficará feliz com esse adiamento. Acho que ele não está muito entusiasmado com essa história de ser rei.
– Ah, ele já é rei. Não há dúvidas quanto a isso. Nem mesmo Vlad conseguiria se recuperar de queimaduras tão severas.
E Mary Ann se viu novamente dizendo:
– Mas você acabou de dizer que...
– Eu sei, eu sei. A questão é que, vivo ou morto, Vlad não está nos governando e alguém precisa governar. Do contrário, haverá caos, desertores e tentativas de tomada de poder.
De qualquer forma, com um humano no controle, provavelmente haveria caos, desertores e tentativas de tomada de poder.
– Além do mais, todos estão... Ansiosos para conhecer Aden, para conhecer os planos que ele tem para o clã – continuou Riley.
Ansiosos. Claro. Até parece. Sinto muito, Aden, ela pensou, suspeitando que o garoto ficaria frustrado ao ouvir aquilo. Parece que você vai ter que se sacrificar pelo grupo.
– Agora que as questões de vida ou morte estão fora do caminho, você precisa me dizer. Você está bem? – Riley lançou um olhar preocupado para ela. – Depois de tudo o que você presenciou, ando um pouco preocupado.
– Estou bem, eu juro.
E ela estava. Sim, no baile ela tinha visto humanos serem reduzidos a nada além de refeição viva para os chupadores de sangue. Sim, ela tinha visto Aden lutar e, finalmente,matar um dos sanguessugas queimando-o da mesma forma que o vampiro havia queimado Vlad e depois o apunhalando em seu ponto mais vulnerável: o olho. E sim, pode ser que aquelas imagens sangrentas a assombrassem por toda a vida.
Apesar de tudo, graças a Aden e a Riley, ela estava viva e todo o resto parecia não importar quando comparado com isso.
– E você? Você está bem? – perguntou Mary Ann. Ele era um guerreiro e provavelmente o simples fato de ousar fazer essa pergunta o tivesse insultado. Ainda assim, ela precisava ouvir a resposta da boca dele.
– Agora estou – ele respondeu, e então sorriu. Um sorriso que a derreteu como um sorvete sob o sol.
Certo. Lembre-o das outras “questões de vida ou morte” para que você consiga se concentrar em outra coisa. Como em limpar as amídalas de Riley.
– Acredito que seja bom saber que nada acontecerá com os vampiros por duas semanas. Temos que ir a uma reunião com as bruxas. Ou melhor, Aden tem que ir.
Ugh! Ela odiava até mesmo pensar naquelas bruxas. Em como elas podiam ser tão poderosas. Em como conseguiam ser tão indiferentes. Em como ela literalmente morreria se Aden não aparecesse naquele encontro.
Algumas semanas atrás, aquelas bruxas haviam lançado um feitiço sobre eles. Um maldito feitiço da morte. Se, em cinco dias, Aden não fosse a uma reunião com elas, Mary Ann, Riley e Victoria, a namorada de Aden, morreriam.
Simples assim. E complicado assim.
Ninguém sabia onde o encontro aconteceria, nem mesmo onde as bruxas ficavam. O que impossibilitava um encontro com elas.
Talvez essa fosse essa a intenção delas desde o início.
Estômago queimando outra vez.
E, no entanto, aquilo não parecia real. Elas haviam amaldiçoado Mary Ann com a morte se Aden não fosse ao encontro e, ainda assim, a garota se sentia bem. Saudável, completa, como se ainda tivesse décadas, e não dias, de vida pela frente.
Seu coração simplesmente deixaria de funcionar? Ou ela estava se enganando?
Nada aconteceria e o feitiço seria apenas uma brincadeira? Uma forma de aterrorizá-la?
Mary Ann tinha passado toda a noite anterior pesquisando sobre bruxas e feitiços e formas de quebrá-los. As informações mudavam de acordo com a fonte.
A fonte em que ela mais confiava, no entanto, era Riley, e ele disse que feitiços, uma vez proferidos, são inquebráveis.
Os músculos na mão de Riley estremeceram, trazendo Mary Ann de volta ao presente.
– Acredite, eu não me esqueci do encontro. – A voz do mutante agora soava inexpressiva.
Uma tentativa de não assustá-la? Agora era tarde demais. Embora a perspectiva não parecesse real, Mary Ann ainda estava muito assustada. Riley acreditava piamente no poder das bruxas. O que significava que, no fundo, ele acreditava que todos daquele grupo logo morreriam.
– Você tem ideia de onde ocorrerá esse encontro? – perguntou a garota, embora já soubesse a resposta.
– Ainda não, mas estou tentando descobrir.
Que frustrante! Não que ela estivesse frustrada com ele, claro que não, mas com toda aquela situação.
– Tudo vai ficar bem – disse Riley, como se sentisse que ela ficava mais incomodada a cada minuto. Ele provavelmente sentia isso. Ele podia ler auras e, portanto, emoções. – Nós vamos dar um jeito nisso. Prometo. Eu jamais deixaria nada de ruim acontecer a você.
Mary Ann confiava nele. Ah, como ela confiava. Mais do que em qualquer outra pessoa. Ele nunca mentia para ela. Ele mostrava os fatos, de forma direta, de forma nua e crua, independentemente de quão duros eles pudessem ser.
Finalmente, os dois chegaram ao muro e, embora não estivessem nem um pouco próximos do portão, eles pararam. Sem dizer uma palavra, Riley pulou sobre a estrutura de mais de dois metros. Seus movimentos cheios de charme faziam o pulo parecer perfeito.
Sorrindo, ele reclinou o corpo e ofereceu ajuda a Mary Ann.
Mesmo assim, ela precisava usar toda a sua força para alcançar a mão de Riley.
Provavelmente ela parecia um coelho convulsivo, pulando enquanto esticava a mão para conseguir alcançá-lo. No entanto, assim que os dedos se entrelaçaram, ele a puxou sem esforço algum.
– Obrigada. Por tudo – disse ela enquanto se equilibrava. – E não quero mudar de assunto, mas você acha que Tucker ficará bem?
Tucker. Ex-namorado de Mary Ann. Eles o haviam resgatado no Baile dos Vampiros, evento em que ele fora escolhido como cardápio da noite.
Riley pulou no chão do outro lado do muro. Novamente, o movimento foi perfeito e o impacto do pouso, quase inaudível.
– Ele sobreviverá. Infelizmente. – Ela pensou ouvir uma pontada de ciúmes. – Ele é parte demônio, lembra? – Riley levantou os braços, esperando por ela. – Os demônios se recuperam mais rápido do que os humanos.
Ela tinha feito isso tantas vezes que sequer hesitou; ela também pulou. O garoto a segurou e a ajudou enquanto ela deslizava por seu belo corpo, até seus olhares finalmente se encontraram. As palmas das mãos de Mary Ann se ergueram e se apoiaram no peito de Riley. O coração dele batia forte. E o dela também.
– Demônio. Como se eu pudesse esquecer.
Aquele sangue de demônio era o único motivo pelo qual Tucker a tinha namorado.
Mary Ann o “acalmava”, como ele havia confessado após o fim do namoro. Um fim que aconteceu sem brigas. Não porque ele a amava, mas porque ele precisava de mais daquele calmante, como se Mary Ann fosse um sedativo. E talvez ela fosse.
Às vezes ela se perguntava se esse seria o motivo de Riley estar com ela. Porque ela também o acalmava. Afinal, ele também era uma criatura sobrenatural e a presença de Mary Ann devia acalmar o animal selvagem e feroz que havia dentro dele.
Mesmo que fosse isso, ela ainda iria querer ficar com ele. Mary Ann já estava viciada em Riley e adorava aquele seu lado selvagem. No entanto, ela ainda queria que ele a desejasse por quem ela era e não pelo que ela podia fazer. De qualquer forma, Mary Ann sempre poderia ficar contente em saber que agora ela acalmava e não sugava as energias, como fizera com sua própria mãe.
– Você parece triste – disse Riley, inclinando-se para o lado enquanto a observava.
– Por quê?
Pensar em sua mãe sempre a deixava melancólica, mas esse não era o motivo da emoção que brotava em seu ser.
– Estou...
O que ela poderia dizer? Ela não queria mentir para ele, mas tampouco queria confessar seus medos. Seu medo de talvez não ser tão interessante quanto a habilidade que possuía. Ela pareceria carente e sua autoestima pareceria baixa. Essa é você? Você é isso?
Sem avisar, Riley a empurrou para a esquerda. Mary Ann gritou enquanto todo o mundo parecia girar. De repente, ela se viu com as costas pressionadas contra o tronco de uma árvore. O choque não foi intenso. Mãos fortes amorteceram a pancada e a garota sequer saberia que havia algo atrás dela se não fosse por sua incapacidade de se mover. Não que ela quisesse se mover.
No momento seguinte, Riley a imobilizou completamente, prendendo-a ali, colocando as mãos sobre suas têmporas.
– Estamos sendo atacados? – ela conseguiu dizer. Algo (ou alguém) os estaria ameaçando? Haveria...
– Você é linda, sabia? – disse Riley, com a voz rouca.
Nenhuma ameaça, então. Ela se derreteu.
– O...Obrigada.
De qualquer forma, Mary Ann não sabia se concordava com o elogio. Talvez ela pudesse ser chamada de “graciosa” em seus melhores dias. Ela apenas... Bem, tinha um rostinho de bebê. Um pouco arredondado, com covinhas. Pele bronzeada, como a de sua mãe (o único atributo do qual ela realmente gostava) e olhos castanhos claros.
– Você também. Quero dizer... Você também é uma graça.
– Não sou, não – disse ele, contrariado, embora seus olhos brilhassem como esmeraldas. – Sou másculo.
Mary Ann deixou uma risada escapar.
– Definitivamente másculo. Não sei o que eu estava pensando para dizer que você é uma “graça”.
Perfeição seria uma palavra melhor para definir aqueles traços fortes.
– Você me perdoa?
– Sempre.
Riley se inclinou, encostando o nariz no pescoço de Mary Ann, e inspirou.
– Eu já falei que você tem um cheiro maravilhoso? Algo como cookies com açúcar e baunilha.
– É o creme que eu uso.
Aquela voz sem fôlego era realmente dela?
– Bem, seu creme vai me fazer morder você.
E esse era o plano.
– Ah, é?
– É!
Riley levantou a cabeça, mas apenas ligeiramente, e a ponta dos narizes se tocaram.
Ele estava ofegante, assim como ela. Portanto, toda vez que inspirava, ela sentia o cheiro dele. Ela poderia ter cheiro de cookies, mas ele tinha o cheiro da floresta que os cercava.
Selvagem e natural e necessário.
Mary Ann cobriu a nuca de Riley com uma mão, enquanto apoiava a outra sobre o coração dele. Os batimentos agora estavam mais rápidos, tão rápidos que ela sequer conseguia contar. O calor dele a envolvia como um casaco de inverno, mantendo-a bem aquecida, exatamente como ela esperava.
– Riley?
– Sim – Essa palavra única foi um rosnado baixo e tremido.
– Por que você se sentiu atraído por mim?
Por Deus! Ela tinha mesmo perguntado isso? E sim, ela soava carente.
– Querendo receber elogios, querida? Tudo bem. Estou com você porque você é corajosa. Porque você é doce. Porque você se importa com os seus amigos. Porque toda vez que olho para você meu coração bate freneticamente, como você provavelmente pode sentir agora, e eu só consigo pensar em passar mais tempo com você.
– Ah! Que lindo!
Uma reposta boba, mas ela não sabia o que mais poderia dizer. Ele tinha acabado de abalar o mundo dela. E agora ela queria abalar o mundo dele.
– Me beije.
Pouco a pouco, ela se aproximou, as bocas cada vez mais perto.
– Com todo o prazer.
E então os lábios deles se encontraram.
Mary Ann automaticamente abriu a boca, deixando a língua de Riley atravessar, e aquilo era como ser atingida por um raio. Eletrizante. Tão bom. O gosto de Riley era tão bom, tão selvagem, tão natural quanto seu o cheiro. Tão necessário quanto seu cheiro.
Os dedos do garoto deslizaram sob a barra da camiseta de Mary Ann e se apoiaram em seu quadril, esquentando a pele sensível daquela região. Ele a puxou para longe da árvore e para junto de seu corpo. Ela apaixonadamente o seguiu. Tão bom, pensou Mary Ann novamente.
Aquele era o segundo beijo, e estava sendo muito melhor do que o primeiro. O que Mary Ann pensava ser impossível. O primeiro beijo a havia consumido, mas esse a acendeu e a queimou até a alma.
E assim eles ficaram, perdidos um no outro, por vários minutos, saboreando um ao outro, as mãos passeando (embora não de forma não muito atrevida) e desfrutando-se mutuamente.
– Adoro beijar você – ele sussurrou.
– Eu também. Quer dizer, eu também adoro beijar você. Não eu mesma.
A risada de Riley fez um ar quente bater levemente contra a bochecha da garota, fazendo arrepios brotar em seu pescoço.
– Enquanto estivermos na escola, não vou conseguir pensar em nada mais. Só nisso. Só em você.
Gemendo, Mary Ann o puxou, pedindo por mais. O entrelaçar das línguas a excitava como nada jamais a excitara. A sensação de tê-lo contra seu corpo, tão forte e tão certo, causava-lhe arrepios. Talvez outras garotas o olhassem e o desejassem, mas era para ela que ele olhava com desejo.
Está bem, mas porque ele realmente quer você? Ou porque você acalma o lobo que existe dentro dele?
Medo idiota.
Ela enrijeceu e Riley se afastou. Ele estava ofegante. Gotículas de suor se formavam em sua testa.
– O que há de errado? – perguntou o garoto.
– Nada.
– Não acredito, mas você me dirá a verdade depois, depois que as chamas se acalmaram e eu conseguir pensar direito, certo?
Ele não conseguia pensar direito? Ela quase sorriu.
– Sim. Talvez.
– E, de qualquer forma, nós precisávamos parar.
As mesmas palavras que ele tinha dito da última vez.
Se Mary Ann não estivesse tendo dificuldades para recuperar o fôlego, teria suspirado.
– É, eu sei.
Decepcionante, mas indiscutível.
– Se não pararmos, vamos nos atrasar para a escola.
– Ou simplesmente não vamos à escola.
Além do mais, ela não queria que sua primeira vez acontecesse em um local aberto.
Não que ela contaria isso para ele.
Não que ela contaria isso para ele.
Relutantes, eles se afastaram e seguiram caminho em direção a Crossroads High.
Ela não se conteve. Levantou a mão e passou a ponta dos dedos sobre os lábios. Eles estavam inchados. Provavelmente vermelhos. Definitivamente úmidos. Alguém saberia, só de olhar, o que ela e Riley estavam fazendo?
Vinte minutos depois, eles chegaram ao limite da floresta e pisaram na propriedade da escola. O enorme prédio entrou no campo de visão, formando uma meia-lua de três andares. Em vários pontos, o telhado apontava na direção do céu. Os tijolos salmões estavam decorados com várias faixas pretas e douradas em que se lia “Go Jaguars”.
O gramado estava bem cuidado, lentamente passando de verde para amarelo e depois para quase branco. Os carros avançavam pelo estacionamento e os jovens corriam pelos degraus de concreto, passando pelo mastro sem sequer olhar para a bandeira.
Diante das portas mais próximas estava Victoria. Sozinha. Ela marchava, retorcendo as mãos, agitada. Vestia uma camiseta preta que combinava com a minissaia e seus cabelos negros se derramavam sobre suas costas. Um feixe de luz solar a banhava, como se fosse atraído por ela, fazendo com que o azul de seus olhos praticamente brilhasse.
Quanto mais jovem fosse o vampiro, mais tempo poderia passar sob o sol. Mary Ann sabia disso. Porém, quanto mais envelheciam, mais o sol queimava e feria. A pele se tornava surpreendentemente sensível, já que, nos vampiros jovens, era tão espessa e resistente quanto mármore, a ponto de nem mesmo uma lâmina conseguir cortá-la.
Victoria, porém, ainda estava em uma idade (oitenta e um ou alguma coisa próxima disso) em que o sol não a incomodava. Assim como os lobos, os vampiros envelheciam lentamente.
Pela primeira vez, esse pensamento chateou Mary Ann. Victoria e Riley envelheceriam no mesmo ritmo, enquanto Mary Ann perderia o vigor e se tornaria uma baranga. Ai, Deus. Que humilhante! E agora ela queria dar algumas pancadas na vampira, só por uma questão de princípios.
– Vocês viram o Aden? – perguntou Victoria assim que eles chegaram. Se ela já era normalmente pálida, hoje estava mais branca do que um giz.
– Não – responderam Mary Ann e Riley em uníssono. Nesse momento, a garota se lembrou da última vez que o tinha visto. Eles o tinham ajudado a entrar escondido no quarto no rancho e ele caíra na cama. Aden estava pálido, tremendo, suando e respirando com dificuldades.
Mary Ann pensou que Aden descansaria e que o descanso faria com que ele se recuperasse. E se...
– Bem, ele não estava no rancho hoje de manhã – Victoria se apressou em dizer. – Mas ele deveria estar lá porque combinamos que viríamos caminhando juntos até a escola – Talvez ele já esteja lá dentro – disse Riley.
A preocupação da vampira não diminuiu. Na verdade, ela passou a mexer as mãos de forma ainda mais agitada.
– Ele não está. Eu já verifiquei. O segundo sinal já está prestes a tocar. Vocês sabem que ele não pode se atrasar. Ele vai arrumar confusão, vai ser expulso. E vocês sabem que ele faz qualquer coisa para não ser expulso.
– Talvez ele esteja doente – disse Mary Ann, sem acreditar em suas próprias palavras. Se esse fosse o caso, ele estaria no rancho, ainda na cama.
Além do mais, Victoria estava certa. Aden nunca se atrasava. Não por temer uma expulsão, mas porque nunca perdia uma oportunidade sequer de passar algum tempo com sua princesa. Ele adorava aquela garota.
– Vou procurar por ele – Riley olhou para Mary Ann e, antes que ela pudesse dizer que iria com ele... – Fique aqui com Victoria.
– Não, eu...
– Sou mais veloz sem você.
Constrangedor, mas verdadeiro.
– Está bem. Está certo. Mas seja cuidadoso.
– Riley – começou a dizer Victoria. – Eu...
– Você também fica – ele reiterou.
Com as muitas criaturas que agora rondavam as ruas daquela pequena cidade, ele não deixaria Mary Ann sem segurança. Seu instinto de defesa era uma propriedade tão definida quanto seu abdômen.
Victoria concordou, embora um pouco contrariada.
– Você é meu soldado, sabia? Teoricamente, você deve obedecer minhas ordens – esclareceu a vampira.
– Eu sei, mas é o rei do meu povo que está em pauta. Desculpe-me por dizer isso, minha querida, mas agora ele está em primeiro lugar.
Lançando um último olhar para Mary Ann, Riley deu meia volta e seguiu, logo desaparecendo em meio às árvores.
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